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13/07/09

Escuta e Cultura

Escuta segundo
a Cultura Tradicional Africana
A sociedade tradicional africana e a sua cultura são estruturadas em função da oralidade. O pensamento, a acção e a relação são organizados de acordo com os princípios ditados pela tradição herdada dos antepassados e oralmente transmitida de geração em geração. Nela a palavra falada, proclamada, cantada ou, simplesmente gesticulada, desempenha um papel de extrema importância. É a palavra que articula, explica e esclarece os mecanismos que regem os vários aspectos da vida da comunidade: o religioso-sagrado, o poder-político, e o direito legislativo. É ainda a palavra primordial pronunciada pelo patriarca fundador do clã que indica a direcção certa, em caso de dúvida; que estabelece a comunhão e restaura a harmonia em caso de conflitos e contrastes.

Na Cultura Tradicional Africana (CTA) a palavra é a ponte de unidade e continuidade entre o passado, o presente e o futuro. A palavra ritual recria o cosmos e garante a continuidade da unidade vital universal.

Sendo a oralidade um traço estruturante importante da CTA, essencialmente fundada sobre a palavra, a capacidade de escuta é a virtude mais apreciada na sociedade tradicional africana. Uma característica fundamental desta cultura é a exigência de fidelidade ao conteúdo da mensagem (tradição) herdada dos antepassados e que deve passar de geração em geração, através de séculos, sem perder a sua força unificadora e iluminadora do clã.

Para mostrar o quanto é importante a escuta para os africanos, bastaria ver o espaço e o tempo que se lhe dedica na vida, na linguagem e no relacionamento entre as pessoas, bem como as cerimonias e ritos que a rodeiam.

Em muitos povos africanos, como por exemplo entre os Vatonga, os Vatshwa, os Vatxopi, os Varonga, o termo usado para dizer “ouvir” tem uma significação que vai para além da simples actividade sensorial do ouvido. Ouvir (gupwa) é usado para exprimir todas as impressões e vivências interiores. Diz-se: “ouvir fome”, “ouvir sofrimento”, “ouvir amor”, “ouvir alegria”, “ouvir paz”, etc.
[1] Portanto, “gupwa” é fazer uma experiência global da realidade.

Da mesma maneira o verbo “escutar” (gu yingisa), tem uma significação muito ampla. Em Gitonga “gu yingisa” não significa apenas ouvir, significa sobretudo obedecer, conformar-se com os princípios estabelecidos, acatar as instruções e normas recebidas. Escutar (gu yingisa) significa também viver e comportar-se de acordo com os ensinamentos recebidos dos mais velhos, os detentores da experiência de vida e da sabedoria. Isto mesmo vale para a forma negativa do verbo. Quando se diz que uma pessoa não escuta “kha yingisi” pode significar que não ouve, como também e sobretudo, significa que tal pessoa não tem capacidade de escuta; não vive conforme as normas vigentes; não aceita (ou resiste) o processo de conversão; não cresce, não revela crescimento nas suas atitudes.

Os jovens devem desenvolver a capacidade de escutar atenta e silenciosamente, de modo a não perder os mínimos pormenores do quanto lhes é oralmente transmitido pelos anciãos. O escutar africano envolve toda a pessoa. Não se trata de escutar só com os ouvidos, mas com o coração (rula monyo u yingisa); com o entendimento (rula wongo u yingisa) e com todo o próprio ser (rula u yingisa). Desta maneira escutar adquire um significado muito profundo. Escutar é interiorizar, assimilar e guardar as experiências da memória colectiva do clã, para poder transmiti-las como se delas tivesse participado directamente. Escutar é mergulhar na experiência fundante daqueles que estiveram na origem da tradição. Assim, quando um africano narra os acontecimentos da história dos seus antepassados, diz: “nós”, como se ele tivesse estado presente e fosse protagonista e testemunha directa do que está a contar.

Outra característica importante da CTA é a escuta atenta, afectiva, paciente e respeitosa. O africano tem todo o tempo para escutar o seu interlocutor. Não cortará nunca a palavra que ainda está a ser pronunciada, porque esta palavra traz a força, a vida e a personalidade daquele que fala.

A escuta-presença solidária, muitas vezes silenciosa mas intensa, é outra característica muito comum nos africanos. Junto ao doente, à pessoa angustiada, sobretudo em caso de morte de alguém, os amigos permanecem horas e horas e até dias, não para dizer palavras, mas simplesmente para estar presentes. Esta presença acompanhada de gestos simples, de atenção, de um sorriso, de um olhar de amizade produz efeitos muito benéficos no coração e na alma do outro.

Para terminar esta reflexão sobre a escuta, penso ser importante referir que em muitas culturas africanas a pessoa sábia há-de ter orelhas grandes para escutar tudo e olhos grandes para ver tudo, mas boca pequena para falar pouco. Aos emissários e portadores de mensagens que cruzam os caminhos africanos recomenda-se que tenham 4 olhos, 4 orelhas e uma só boca, para significar que devem dedicar toda a sua atenção e todo o tempo possível a escutar e a observar a realidade, mas falar o mínimo e só quando for necessário. O tagarela não é admitido no conselho
dos anciãos[2] , onde são tomadas as decisões mais importantes da vida do clã.


[1] “Gupwa ndzala”, “gupwa wuvi”, gupwa lihaladzo” “gupwa gunengela”, “gupwa gurula”
[2] o adágio tonga diz: Khokho nya maguru kha yi beli namboni :muthu nya mambwaga kha beli huwo, que quer dizer: “o fala-barato (boateiro) não entra no conselho (palabre)”.

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